Desejo e poder

“Desejo e poder" - "Brideshead revisited", Inglaterra, 2008

Direção: Julian Jarold

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Um homem de costas caminha na tela. Murmura:
“- Só tenho uma certeza… Meu nome é Charles Ryder. Não sei mais quais emoções sinto… Aliás só me resta uma. A culpa…”
Pelo fim. Assim se inicia “Desejo e poder – Brideshead revisited“, a versão filmada do livro de Evelyn Waugh de 1951.
Muitos se lembram ainda da mini-série em 11 capítulos que passou na saudosa TV Cultura, em 1981, com Jeremy Irons e Claire Bloom. Foi memorável. E mais fiel à obra de Waugh. Dizem os atuais responsáveis pelo roteiro que mudanças mais ao gosto de nossos tempos se impuseram. Há quem discorde.
Em todo caso, o mesmo deslumbrante cenário do castelo Howard em Yorkshire, Inglaterra, volta a encantar os nossos olhos: fontes pontuando o verde de gramados infinitos, árvores seculares, moitas esculpidas como muros altos escondendo jardins secretos e a imponente construção em suas simetrias aristocráticas. Dentro impera o mármore, os tetos são ornados de afrescos e pesados lustres de cristal, as escadarias tem gradil de renda de ferro dourado, há tapetes que sufocam passos e quadros com retratos de antepassados reais.
Poder, luxo, elegância.
Quando o plebeu Charles Ryder (Mattew Goode) encontra Sebastian Flyte (Ben Wishaw) em Oxford, numa roda boêmia, seu futuro está traçado.
Acompanha o amigo a Brideshead, a morada da família e parece embasbacado com tanta ostentação de riqueza:
“-Você pode visitar a casa por cinco xelins no dia se Santa Alexandria…”, ironiza Sebastian.
E o rapaz que queria ser pintor, começa a entrar em contato não só com a ostentação mas com os costumes decadentes do amigo.
Charles, que tinha um pai ausente, pouco interessado no que ele sonhava para a sua vida, vai querer pertencer àquela família nobre e acaba conhecendo o fim de uma época e testemunhando a agonia de uma classe social que não era a sua.
Vai amar e ser amado por Sebastian e sua irmã (Hayley Atwell), a bela Julia e será atingido pelo rigor católico da mãe dos dois, Lady Marchmain (Emma Thompson de cabelos brancos, traços envelhecidos e boca cruel).
Cara (Greta Scacchi), a simpática amante italiana de Lorde Marchmain (Michael Gambon), nos braços de quem ele se refugiou de sua mulher oficial, confidencia a Charles:
“- Aquela mulher quase o sufocou. O mesmo com os filhos. Todos tem que fazer o que ela quer.”
“- A senhora também é católica?” pergunta Charles.
“- Sim. Mas na Itália é diferente. Não temos tanta culpa”, responde Cara sorrindo ao sol de Veneza.
Os figurinos do filme são perfeitos e cada detalhe nos remete a um tempo onde ainda havia algo que desapareceu para sempre com a Segunda Grande Guerra.
Bem cuidado e com um elenco de pessoas bonitas e atores convincentes, “Desejo e poder – Brideshead revisited” vai seduzir o seu olhar. Mas talvez não deixe marcas profundas em sua memória.
Descartável? Se formos tão rigorosos como Lady Marchmain, pode até ser.

O segredo dos seus olhos

“O segredo dos seus olhos” - "El secreto de sus ojos" , Argentina/Espanha, 2009

Direção: Juan José Campanella

Olhos falam demais… Não são conhecidos como janelas da alma?
É essa linguagem, compreendida pelos bons observadores da natureza humana, que dá o título ao filme que, surpreendendo a todos, ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro de 2009.
Dirigido com excelência por Juan José Campanella, que também fez “O filho da noiva” em 2001 (grande sucesso de bilheteria no Brasil), esse “azarão” latino-americano abiscoitou a estatueta que muitos já viam nas mãos de Michael Haneke pelo excepcional “A fita branca”.
A Argentina comemorou o prêmio com festas no Obelisco, tradicional lugar de comemorações futebolísticas.
“O segredo dos seus olhos”, além de sucesso de público, foi também muito bem visto pela crítica especializada do país.
Bem portenho, o filme se passa entre as paredes de mármore do imponente prédio que abriga o Tribunal Penal de Buenos Aires, os cafés típicos da cidade e o estádio de futebol Huracán.
E vai falar de paixão.
Conta uma história de amor que leva 25 anos para ser entendida e tem, como pano de fundo, um crime passional misterioso, acontecido nos anos 70, envolvendo uma bela jovem que foi violentada e torturada, conhecido como “o caso Morales”.
O excelente ator Ricardo Darín interpreta com emoção e força um oficial de justiça aposentado, Benjamin Espósito, que resolve escrever um romance. Olha o seu passado e vê no caso Morales o assunto de seu livro.
Acontecido durante o governo de Isabelita Perón e da repressão estatal exercida por um grupo que arregimentava gente da pior espécie entre civis e ex-militares, o caso Morales tinha sido investigado por Benjamin Espósito, seu amigo Pablo Sandoval e a bela Irene, chefe dos dois.
Espósito e seu parceiro Sandoval (o ótimo Guillermo Francella), tal Don Quixote e Sancho Pança, ao atuar como detetives enfrentam aventuras que misturam momentos de humor e de tragédia.
Irene (Soledad Villamil), chefe dos dois no Tribunal, sempre vestida de tons vermelhos, é a paixão secreta de Espósito que não ousa levantar os olhos para ela.
Em “flashbacks” ficamos sabendo do desenrolar dessa história de amor, paixão e sede de vingança, ao mesmo tempo que, no presente, um homem e uma mulher revêem suas vidas e as oportunidades desperdiçadas.
Uma curiosidade cinematográfica: uma paixão dos argentinos, o futebol, estrela uma sequência que já ficou famosa. A longa cena começa como se víssemos o estádio Huracán de um helicóptero e fazendo um zoom continua com uma perseguição em meio aos espectadores do jogo, terminando com um close no rosto do assassino deitado e subjugado no gramado do campo. Foi tão bem feita que os cortes não são notados. Pareceu ser um único plano sequência. É de tirar o fôlego.
Alguns não viram em “O segredo dos seus olhos” mérito maior que essa sequência que mostra o talento e a criatividade do diretor Juan José Campanella.
É uma injustiça porque o filme reúne elementos de sobra para merecer o prêmio que ganhou.
Aliás esse é o segundo Oscar de melhor filme estrangeiro que a Argentina ganha. O outro ficou com “A história oficial” de 1985, dirigido por Luis Puenzo.
Em meio a graves crises econômicas, a Argentina vê hoje o seu cinema conquistar 58,3% do mercado total de seus espectadores no país. E claro que conta com fãs no mundo todo.
Histórias bem contadas, apoio de incentivos estatais e o surgimento de inúmeras escolas de cinema no país nos últimos vinte anos explicam esse feito.
O Oscar não é mais do que a confirmação dessa realização bem sucedida.