O brilho de uma paixão

“O brilho de uma paixão” - "Bright Star", Austrália, Reino Unido, França, 2009

Direção: Jane Champion

Oferecimento Arezzo

Uma agulha fura um tecido delicado, fazendo com que a linha se componha em pequenos pontos. Com habilidade e delicadeza, uma mulher costura, observada por uma menina que mostra, em seu olhar, reverência pelo ato.
Linha e agulha, destreza e paciência, capricho e imaginação. Um fazer estético e prático. Feminino.
Essa cena em “close” na agulha vai se ampliando para mostrar a que costura e a que aprende e abre o novo filme de Jane Champion.
Aliás, o feminino é sempre o centro dos filmes dessa diretora neozelandesa que foi a única mulher premiada com a Palma de Ouro em Cannes, até o momento, por “O piano” de 1993.
Aqui também uma mulher é o centro de tudo. O que vemos e sentimos é através dos olhos e do coração dela.
“O brilho de uma paixão”, título rocambolesco para “Bright Star” (estrela brilhante), conta a história de amor de John Keats (Ben Winshaw) e Fanny Brawne (Abbie Cornish), acontecida no início do século XIX na Inglaterra vitoriana.
Ele, um dos maiores poetas românticos britânicos, ela, uma garota burguesa que se interessava por moda e que, com talento, costurava sua própria roupa.
Aos poucos acontece a aproximação entre esses dois seres tão diferentes e que juntos vão tecer um destino em comum.
A ponte inicial é a proximidade: são vizinhos. John Keats e seu amigo Brown (um ator apaixonante) moram em uma parte alugada da casa da mãe de Fanny. Dois poetas, cultivam a palavra e a amizade baseada em afinidades. Mas Brown não esconde o desdém (sinônimo de interesse que se quer ignorar) por Fanny, enquanto que ela responde a ele na mesma moeda. Inimigos.
Já por Keats, Fanny sente uma curiosidade que vai se transformando em admiração por sua poesia e consequente enriquecimento no seu modo de ver o mundo. A princípio quer cuidar dele, vesti-lo com roupas mais elegantes, depois quer aprender poesia com ele e finalmente, desabrocha como mulher através do amor que sente pelo homem.
A câmara de Jane Champion mostra visualmente o desenrolar desse romance intenso e platônico, ora em “closes” sugestivos, ora em grandes planos do cenário deslumbrante do campo inglês que combina tão bem com esse jovem casal romântico. São jardins naturais pontuados de cores vibrantes na primavera desse amor e paisagens na neblina quando tudo se esfacela e a natureza corta os fios tênues da vida.
Tanto quanto o uso da natureza, é perfeito o trabalho de figurino, executado por Janet Patersson. O chapéu vermelho com plumas amarelas, o vestido império rosa com redingote em “ton-sur-ton” ou ainda o xale de seda azul que Fanny usa são moldura que favorece ainda mais a beleza juvenil da encantadora Abbie Cornish. Ela emana uma sedução que cai bem para o papel de musa de Keats. É a “Bright Star”, estrela brilhante, único amor do poeta que a ela dedicou esse poema.
A música original de Mark Bradshaw é suave e envolvente, com cordas e cantos sem palavras, pontuando a evolução emocional da trama.
O roteiro assinado pela diretora e inspirado na biografia “Keats”, escrita por Andrew Motions, valeu-se também das cartas trocadas pelo casal e que foram conservadas pela irmã de Keats.
O romance foi breve. O poeta era pobre e não podia sustentar uma família. Keats morreu aos 25 anos e só muito depois teve seu talento reconhecido.
Nos países de língua inglesa a história do poeta é conhecida e sua obra reverenciada. O filme fez um enorme sucesso por lá.
Pode ser que, para uma parte da platéia brasileira, o filme se torne aborrecido. Mas quem gosta de poesia e natureza, não precisa nem entender inglês. Assista “O brilho de uma paixão”. Maravilhe seus olhos e escute a música das palavras.

A jovem rainha Victória

"A jovem rainha Vitória” - “The young Victoria”, Inglaterra, 2009

Direção: Jean-Marc Vallee

Ela foi a Imperatriz de um império colonial tão vasto que sobre ele o sol nunca se punha.
Para um filme sobre ela, foram escolhidos os cenários magníficos de sua vida, palácios e jardins deslumbrantes. Além disso, os figurinos (que ganharam o Oscar) são de distrair da história que está sendo contada de tão suntuosos e cheios de detalhes. Sedas etéreas, babados farfalhantes, rendas delicadas, flores nos cabelos e nos decotes, jóias e tiaras preciosas. E que cores! Um encantamento. Sandy Powell, a responsável por esse prazer para os olhos, inspirou-se e foi fiel aos retratos conhecidos da rainha Victória.
Mas o maior mérito desse filme é resgatar o período da juventude de Victória que foi coroada aos 18 anos e reinou até a sua morte, aos 81 anos. Foi o reinado mais longo da história da monarquia inglesa até hoje (1837 a 1901).
Ela era a única herdeira e última descendente da família real ou seja, sem ela a monarquia britânica morreria.
Emily Blunt (a assistente de Meryl Streep em “O diabo veste Prada”), que em nada se parece com a verdadeira Victória, que era bem mais gordinha, sai-se muito bem no papel. A atriz mostra com talento como alguém que não tinha confiança em si mesma, educada por uma mãe egoísta (Miranda Richardson) e um padastro cruel (Mark Strong) e disposto a tudo para ser regente e apossar-se do trono da mocinha, consegue impor-se no final. Mas talvez outra teria sido a história da rainha Vitória se nela não tivesse aparecido um príncipe, ao mesmo tempo galante e valente.
E o foco principal do filme é esse romance entre a ainda princesa inglesa e o príncipe alemão, Albert de Saxcoburg (Rupert Friend).
Na verdade o amor nasceu e floresceu na troca de cartas entre os dois. Na tela, o roteirista Julian Fellows faz o jovem vir à Inglaterra e encontrar-se com Vitória. Mais palatável para as platéias de hoje em dia.
O rei morre, Victória é coroada mas enfrenta todo um jogo politico no qual a figura de destaque é o bonitão Lord Melbourne (Paul Bettany) que tenta seduzir a rainha para a sua causa e sua cama. E excluir o pretendente de Victória dessa história.
Mas o principe Albert apaixona-se para valer. E passa por cima de todos os obstáculos para realizar o seu amor. O casal teve nove filhos e sua descendência povoou os tronos da Europa.
O filme foi produzido por ninguém menos que Martin Scorcese, o famoso diretor de Hollywood. E o projeto foi apresentado ao co-produtor Graham King por outra figurinha carimbada, a duquesa de York, Sarah Ferguson.
Depois da morte de seu marido aos 42 anos, de tifo, a rainha Victória virou uma viúva inconsolável… Mas sugiro que vocês aluguem o filme “Mrs Brown”(1997) que tem Judi Dench como a rainha na maturidade e que conta a história do seu segundo amor, o fazendeiro John Brown.
Incrível como a jovem melancólica, que se sentia uma peça de xadrez em um jogo jogado por outros, vem a se tornar a mulher poderosa e interessante que ela foi. A história da rainha Victória merece ser conhecida pelas novas gerações.
Recomendo os dois filmes.