O Refúgio

“O Refúgio”- “Le Refuge”, França, 2009

Direção: François Ozon

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De muita coisa fala o novo filme de François Ozon, em cartaz em São Paulo, “O Refúgio”: a fragilidade do ser humano, a morte, o luto, a maternidade.
Longe, porém, de ter um discurso chato com tentativas de ensinar e moralizar, esse é um filme delicado, especial, feito mais de sugestões e dúvidas que de verdades sólidas.
Mousse (Isabelle Carré) e Louis (Melvil Poupaud) moram em Paris, a cidade das luzes, mas procuram a escuridão e o abandono que a heroína traz. São muito jovens mas a vida já parece pesar sobre eles. O refúgio é a droga. Caminho perigoso, quase sempre a busca de um suicídio inconsciente.
Os dois recebem o traficante que entra pela porta aberta do apartamento:
“- Você nos salvou”, diz Louis.
Rostos fatigados e pálidos, os dois se injetam o que vai ser uma “overdose”.
Só Mousse sobrevive. Acorda no hospital.
“-Há quanto tempo não menstrua? Sou o seu médico.”
“- Não sei…”
“- Você está grávida de 8 semanas…”
“-Onde está Louis?”
“- Ele não resistiu… Está morto.”
Mousse perde a voz, uma lágrima escorre, ela desliza para o esquecimento.
Como um fantasma, assiste ao enterro de Louis, conhece Paul (o cantor e ator Louis-Ronan Choisy) e a mãe deles que a aconselha a não ter o bebê.
“-Espero que não queira ter esse bebê…Não queremos descendentes de Louis. Posso apresentá-la a um médico que cuidará disso”.
“- Não sei ainda…”
O interessante é que Ozon escolheu uma atriz grávida para o papel de Mousse. E o filme teve que se adaptar a isso, ser filmado em ordem cronológica e respeitar o ritmo de uma gravidez. Desejo de um homem de decifrar o mistério da maternidade?
Em entrevista a Luiz Carlos Merten, Ozon responde:
“-Sua pergunta já carrega um pouco a resposta. A maternidade é um mistério que escapa ao homem. Podemos estudar científicamente as transformações que ocorrem em seu corpo e ainda assim haverá uma zona de sombra. As próprias mulheres se surpreendem, muitas vezes, ao vivenciar o processo de gestação. E há aquelas que reagem contra o ser que cresce dentro delas, que o consideram um estranho. Queria entender um pouco o fenômeno e, por isso, há tempos acalento o projeto de “O Refúgio”.(…)Ela decide ter o filho sozinha, mas o que quer, no próprio corpo, é prolongar a vida do homem amado e que perdeu.Minha personagem encara o desafio da maternidade sem ter o desejo de ser mãe.”
Mais uma vez, Ozon toca em um ponto delicado para todos nós, mortais. O luto é um processo difícil e envolve um trabalho duro de aceitação da realidade da morte.
Em “Sob a areia”(2000), Charlotte Rampling foi a atriz escolhida pelo diretor para viver a agonia de perder o marido e não entender o que acontecera. Não havia a morte… Como chorá-lo?
Aqui, Mousse agarra-se a si mesma, como se pudesse, mágicamente, dar a luz a Louis. Trazê-lo de volta e negar a separação.
François Ozon é um diretor que gosta de trabalhar aspectos complexos da natureza humana. Agrada ao diretor francês levantar dúvidas, mexer com tabús e focalizar o que não é óbvio.
Em “O Refúgio”, Mousse foge de Paris e procura na casa da praia outro refúgio, onde tenta livrar-se da heroína e se iludir, tentando esquecer que perdeu seu outro lado, com quem vivia uma ilusão de fusão na droga que era a vida deles.
Paul, irmão de Louis, que chega sem aviso prévio e propõe a ela a alteridade, vai ser o intruso que a coloca um pouco mais perto de si mesma e da dor.
Quando chega a hora, uma canção de ninar embalará Louise, o bebê de Mousse.
E ela começa uma procura, para poder viver o amor generoso, que nela é uma promessa.
Um filme simples mas marcante.

5XFavela – Agora por Nós Mesmos

“5XFavela – Agora por Nós Mesmos”- Brasil, 2010

Direção: Coletiva

Mesmo antes de “Orfeu Negro”, do francês Marcel Camus de 1959, as favelas do Rio de Janeiro eram cantadas em samba e versos.
Nos anos 60, cinco rapazes brancos, de classe média, subiram o morro para mostrar a favela para o povo do asfalto. Era o Cinema Novo. “Cinco vezes favela” reuniu Cacá Diegues, Marcos Farias, Leon Hirszman, Miguel Borges e Joaquim Pedro de Andrade. Tornou-se um clássico do cinema brasileiro.
Cinquenta anos depois, o mesmo Cacá Diegues e sua mulher, Renata Almeida Magalhães, são produtores do filme “5 X Favela – Agora por Nós Mesmos”, concretização de um projeto de Diegues, que vinha fazendo um trabalho de oficinas de cinema com comunidades de favelas do Rio.
Diz Cacá Diegues em uma entrevista a Luiz Carlos Merten:
“Acho que estou realizando um dos sonhos da minha geração de Cinema Novo. Sempre quisemos colocar a cara do Brasil na tela e agora extrapolamos. A periferia, que era nosso tema, olha para si mesma, reflete sobre si mesma.”
E Renata, mulher de Cacá acrescenta:
“O objetivo do filme foi mostrar as várias nuances da favela. Infelizmente há muita gente que pensa que lá só existe violência, o que é errado. Por isso, a opção de colocar a câmera na mão dos cineastas das próprias comunidades.”
Os cinco episódios que compõem “5X Favela” são muito criativos e juntos são uma obra única.
O primeiro,“Fonte de Renda”, dirigido por Manaíra Carneiro e Wagner Novais, conta a história de um rapaz negro da favela que entra na Faculdade de Direito.
“- Como é o seu nome?” pergunta o professor.
“- Máicon. Sou o primeiro da família a entrar na Faculdade. Quero estudar e ajudar a minha comunidade.”
Mas os livros são caros e o salário da lanchonete é pouco. Máicon se envolve então com a venda de drogas para os colegas, apesar dos conselhos do padrinho ex-policial (Hugo Carvana), que o alerta:
“- Vai pela sombra, rapaz.”
O segundo episódio é “Arroz com Feijão” de Rodrigo Felha e Cacau Amaral e no início, escutamos Paulinho da Viola cantando no fundo:
“Você sabe que a maré
não está moleza não…”
E entramos na casa pobre onde vive gente honesta e feliz. Flores de papel enfeitam a mesa. O casal se ama. O filho sorri, cúmplice, dormindo no sofá da sala.
É aniversário do pai e o filho resolve comprar um frango de presente para ele, que reclamava com a mulher de estar cansado da marmita de arroz e feijão todo santo dia.
É o episódio mais tocante graças à atuação dos meninos Pablo Vinicius e Juan Paiva. Ruy Guerra contracena com as crianças e o trio encanta e diverte.
“Concerto para Violino “de Luciano Vidigal é o episódio no qual aparece a violência. Ouvimos tiros pela primeira vez.
Soldado e chefe do tráfico se unem para resgatar armas roubadas do exército. Três crianças criadas juntas na favela vão enfrentar uma cilada cruel do destino.
“Deixa Voar” de Cadu Barcellos mostra uma cena na laje de uma casa de favela. A brincadeira é soltar pipa e cortar a linha da pipa do outro com manobras difíceis e acerol.
“Soltar pipa é uma alegria,
Esta é a nossa diversão ”canta o rapper.
Mas, quando uma pipa se perde, um garoto corajoso vai buscá-la no território proibido da favela vizinha e descobre que é preconceituoso.
“Acende a Luz” de Luciana Bezerra é baseado em histórias reais vividas pelos moradores da favela em 2008.
Véspera de Natal e as famílias se preparam para a festa. Mas falta luz e todo mundo se empenha em conseguir que a ligação seja feita pelo homem da luz que sobe a favela.
O mais engraçado e terno dos episódios.
Roberto Carlos canta:
“Eu quero ter um milhão de amigos…”
É isso aí. “5X Favela – Agora por Nós Mesmos” é a oportunidade de subirmos o morro na companhia desses jovens talentosos e olhar a realidade das favelas pelos olhos de quem nasceu e cresceu lá. Muito preconceito vai cair por terra. Estereótipos cansados vão ser substituídos por um novo modo de ver.
Porque nesse filme mais Brasil aparece. São negros, brancos, mulatos de todas as idades e crenças, vivendo em situação bem precária mas que não perdem a alegria, a solidariedade ou o esforço da esperança de melhorar.
Vendo “5X Favela- Agora por Nós Mesmos”, vamos nos dar conta, talvez, de que a vida nos morros tem até mais humor.