A Rede Social

“A Rede Social”- “Social Network”, EUA, 2010

Direção: David Fincher

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Aproximar-se e relacionar-se sempre foi algo vital para os seres humanos jovens.

Já existiram diários que passavam de mão em mão, horas no telefone, paqueras na praça ou no cinema. Tudo isso foi superado pela tela do computador.

Hoje em dia, mesmo quem não freqüenta suas páginas, sabe o que é o “Facebook”. Sucesso estrondoso como “site” de relacionamento, tem 500 milhões de usuários e vale 25 bilhões de dólares.

O filme “Rede Social”, baseado no livro “Bilionários por acaso” de Ben Mezrich, conta a história de Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg), o mais jovem bilionário do mundo aos 26 anos.

O clima é movimentado desde o início e os mais lentos vão ter dificuldade em sintonizar com a narrativa disparada, como que saída da mente acelerada de Mark, de 19 anos, que cursa o segundo ano em Harvard, escola americana elitista. Ele é um gêniozinho, um programador excepcional mas é um solitário.

Seu visual é o de um menino mal ajambrado, com o olhar sempre perdido em sua própria mente.

Estamos em Harvard, outono de 2003:

-“ Você sabia que tem mais gênios na China que gente normal nos Estados Unidos?” diz Mark à namorada Érica num bar.

– “Ein?” pergunta ela.

Mas ele engata assunto em cima de assunto, claramente não acompanhado pela garota que se irrita.

-“Vou te levar a eventos aos quais você não iria, se não estivesse me namorando, depois que eu entrar nos clubes exclusivos de Harvard”, jacta-se ele.

– “Não estamos mais namorando”, diz ela . “Vou estudar”.

-“Você não precisa porque está na B. U.”, aludindo à Universidade de Boston considerada fraca em relação a Harvard.

Érica fica muito brava:

-“Você vai ter muito sucesso na vida mas não passa de um “nerd”. Você é um babaca”, diz deixando Mark falando sozinho.

Esse diálogo é uma profecia sobre o que vai acontecer daí por diante na vida de Mark.

Ele corre para seu quarto e vai direto para o computador e para as cervejas na geladeira. Despeja toda a raiva que sente por Érica em seu blog. A impressão é que Mark se dá melhor com palavras escritas do que com a expressão de sentimentos na vida real. E que toda sua arrogância esconde um complexo de inferioridade social.

Quando chega seu melhor e único amigo, Eduardo Saverin (Andrew Garfield, o próximo Homem Aranha,que faz o amigo brasilleiro), ele já sabe de tudo porque leu o blog de Mark.

Enquanto os outros alunos participam de festas “quentes”, Mark e Eduardo passam a noite com equações dificílimas para roubar retratos de garotas de “sites” e criar o “Facemash”, lista das mais bonitas e mais feias de Harvard.Com isso, conseguem fazer cair a rede, tantos são os acessos em duas horas : 22.000.

A partir daí o filme vai contar em “flashbacks” o que aconteceu e como começou o “Facebook”.

A concretização turbulenta desse fenômeno passou por vários estágios, envolvendo Mark e Eduardo, outro grupo de alunos de Harvard, atletas e ricos, enrolados por Mark e o controvertido empresário Sean Parker (Justin Timberlake) que azedou a amizade entre Mark e seu amigo brasileiro.

Tudo acabou em processos que foram resolvidos em acordos extrajudiciais. Eduardo Saverin foi recolocado como co-fundador do “Facebook”, levando milhões em acordo não revelado públicamente.

O diretor David Fincher, fera da criatividade em propaganda e videoclips, começou no cinema com “Alien 3” quando tinha 30 anos. Depois vieram “Seven” com Brad Pitt, “O Jogo” com Sean Penn, “Quarto do Pánico”, “Zodíaco”.

Perguntado em uma entrevista à Serafina sobre o que acha dos criadores do “Facebook” disse:

“Esses meninos muito jovens ainda, não sabem que o tempo caminha em uma só direção. E que o “Facebook” é uma das maneiras mais eficientes de deixar a vida passar sem fazer nada que preste”.

Vá ver o filme você também e opine.

Um Homem que Grita

“Um Homem que Grita”- “Um Homme Qui Crie”, França, Bélgica, Chade 2010

Direção: Mahmat- Saleh Haroun

Esse filme é um pequeno milagre.

Filmado no Chade, um país muito pobre, chamado de “coração negro da África” por seu clima desértico e sua distância do mar, é um raro filme africano premiado em festivais. Ganhou o Prêmio do Júri em Cannes 2010 e em São Paulo, a Mostra concedeu-lhe o Prêmio Humanidade.

“Um Homem que Grita” é o quarto longa do diretor Mahmat- Saleh Haroun, de 50 anos, nativo do Chade, para quem o cinema foi paixão à primeira vista. Seu tio levou-o a ver um filme de Bollywood e o menino de 9 anos caiu de amores pela linda indiana que sorria na tela, em “close”, só para ele.

“ – A sensação foi tão marcante, que até hoje me lembro desse rosto”, conta ele.

Aos 15 anos vê “Roma, Cidade Aberta” de Roberto Rossellini. Diz:

“ – Pensei: tenho que fazer a mesma coisa que ele.”

Aos 19 anos foi ferido na guerra civil e depois de algumas aventuras, fugiu para a França.

Aos 21 anos cursou o Conservatório de Cinema de Paris.

Seus filmes falam sempre sobre o seu país:

“ – Quero ajudar a construir a memória do Chade. Quando comecei a filmar me perguntei: o que tenho dentro de minha cabeça como imagem de meu país? Nada. Porque ninguém nunca o filmou.”

“Um Homem que Grita” conta a história de um ex-campeão de natação (Youssouf Djaoro), aos 60 anos, a quem só resta cuidar amorosamente da piscina de um hotel em N’Dajema, capital do Chade, de ruas de areia, cruzadas por pequenos lagartos indiferentes aos homens.

Quando isso lhe é tirado, ele afunda em um poço negro, destituído de sua identidade e dignidade.

“- A piscina é a minha vida “, repete Adam. Desconsolado.

Substituido por seu filho Abdel (Diouconda Koma) nessa função, a ele compete ser o novo porteiro do hotel, vestido com as roupas muito curtas do antigo funcionário. É a imagem do desânimo, com seus longos braços e pernas sem outra coisa a fazer que abrir e fechar a cancela do hotel.

Em casa, fazendo abdominais no escuro da noite, seu corpo negro brilha com o suor e seu rosto reflete o impacto dos anos que já lhe pesam.

“- Está parecendo um leão velho”, diz Abdel de 20 anos ao pai envelhecido.

Tudo isso vai fazer Adam, a quem todos chamam de Campeão, tomar uma atitude da qual vai se arrepender para sempre.

A guerra civil grassa no país há anos e a todos é pedido um ”esforço de guerra”: dinheiro ou um filho. A outra opção é fugir do país.

O diretor Haroun disse, em uma entrevista, quando veio ao Brasil no lançamento de seu filme:

“- Não é um filme sobre a guerra, mas sobre aqueles que sofrem com ela, experimentando o sentimento de o seu próprio destino lhes escapar.”

E é isso que comove o espectador. A história é contada com poucas palavras, muito silêncio e imagens impactantes pelo desespero e solidão que retratam.

Às tantas, um personagem, abalado pela situação terrível que o país vive, diz:

“- Nosso problema é que colocamos nosso destino nas mãos de Deus.”

De forma simples, direta, e com longos “closes” no rosto expressivo molhado de lágrimas de Adam, compreendemos todo o seu drama e sua impotência.

“- Meu protagonista é alguém que compreende, dolorosamente, que o seu grito de sofrimento tem como única resposta o silêncio de Deus,” diz Haroun.

Uma das cenas mais emocionantes é a do lamento cantado em língua africana pela namorada do filho de Adam, com seus mega-brincos e sua barriga grávida, ao ouvir a fita cassete gravada que ele lhe envia, desesperado, do “front” de guerra.

O pai, que todo escuta, prepara-se para uma ação perigosa.

E a bela cena final, na qual o rio assume a importância de um lugar sagrado, não será esquecida fácilmente.

Depois do filme, palavras de um poema de Aimé Césaire aparecem na tela e nos faz pensar no sofrimento da África, esquecida pelo mundo:

“Não fique indiferente,

A vida não é um espetáculo.

Pois o homem que grita,

Não é um urso que dança…”