Tetro

“Tetro”, Estados Unidos, 2009

Direção: Francis Ford Copolla

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Pode a sombra de um pai poderoso anular o talento de um filho? Há uma história bíblica terrível que fala sobre o castigo exemplar reservado ao anjo mais brilhante que quis superar a luz do Deus/ Pai…

Certamente entre um pai e uma filha as coisas são mais doces e ela pode subir nos ombros do pai e querer ser tão famosa quanto ele. Falo de Copolla, o pai e Sophia, a filha, irmanados pela mesma profissão e sucesso.

Já em “Tetro”, que Copolla veio lançar aqui no Brasil, o tema é mesmo a relação pai/filho tempestuosa, que volta a ocupar o centro da história, combinada à rivalidade entre irmãos. A saga do “Poderoso Chefão” era calcada também nesse assunto. Em “Tetro”, o diretor retoma a rivalidade masculina, a hierarquia imposta como teocracia, a inveja e o ciúme. Considera-o seu filme mais pessoal e é responsável pelo roteiro.

Copolla disse em entrevista no Brasil que “Tetro”, apesar de não ser autobiográfico, é um filme inspirado na sua família. Alude a diferenças entre ele próprio e seu irmão mais velho e à disputa existente entre seu pai Carmine e seu tio Anton.

Em “Tetro” tanto o pai quanto o tio são interpretados pelo célebre ator alemão Klaus Maria Brandauer (“Mephisto”, 1981) que diz em uma das cenas mais marcantes:

“- Só tem lugar para um gênio nessa família!”

A história em “Tetro”centra-se no encontro de dois irmãos: um deles, Angelo, o mais velho, foge da família e de New York, para refugiar-se na Argentina e o outro, Bennie, o mais novo, vai ao seu encontro pois não o vê há 10 anos.

Angelo tornou-se Tetro (abreviação do nome da família, Tetrocini) e mora em La Boca, o bairro boêmio de Buenos Aires. Namora Miranda (Maribel Verdú), psiquiatra que gosta de dançar e é um escritor fracassado. É sombrio e torturado. Vincent Gallo brilha nesse papel.

Bennie (Alden Ehrenreich), tem só 17 anos e ama e admira o irmão mais velho, intuindo que ele tem a chave do mistério da família, separada por conflitos não compreendidos pelo jovem tão ingênuo quanto belo.

Com a chegada do benjamim, o passado vai ser trazido à tona. Ele é o fruto de todos os dramas que ignora mas pressente.

Bennie, o mais puro, quer saber a verdade e vai enfrentar-se com sua luz que pode tanto cegar e até matar, quanto salvar, se temperada pela descoberta do amor e do perdão.

A luz ocupa um lugar importante em “Tetro”, tanto metafóricamente, como por exemplo, quando no início do filme atrai a mariposa que vai morrer, quanto como artifício, ao fazer um jogo de sombras e aludir a mistérios, na fotografia em magnífico preto e branco. As cores são usadas com parcimônia pelo diretor, para cenas do passado e balés surrealísticos onde tudo é dito sem palavras.

Durante todo o filme o espectador é envolvido por um clima de suspense criado por um jogo de espelhos e troca de papéis.

Tudo termina num festival dionisíaco na Patagônia, com Carmen Maura de sacerdotisa. O transe é substituído pelo conhecimento necessário.

Hoje em dia, após muitos problemas, Francis Ford Copolla sente-se um homem livre, pois financia e produz os próprios filmes com os proveitos de sua vinícola na California. Sente-se livre também porque, a esta altura de sua vida, pode fazer os filmes que quiser, desde que caibam em seu orçamento. Ele diz:

“- Quando faço filmes não busco fama nem dinheiro. O que eu quero são respostas. Esse filme foi, de certa forma, uma chance que eu tinha de aprender sobre a minha própria família. E, aos 71 anos, o cinema interessante para mim é aquele em que você pode aprender algo.”

Assista “Tetro” e aprenda com esse homem genial.

Abutres

“Abutres” – “Carancho”, Argentina, 2010

Direção: Pablo Trapero

Grande “close” em preto e branco em caquinhos de vidro espalhados pelo asfalto… E, logo, na tela a informação fria e chocante: “Na Argentina morrem 22 pessoas por dia, 683 por mês e mais de 8.000 por ano em acidentes de trânsito. São 100.000 mortes na última década. Essa é a principal causa de morte em pessoas com menos de 35 anos.“

E isso em um país com um pouco mais que 36 milhões de habitantes, dos quais 50% se concentra em Buenos Aires.

Finaliza o texto da tela: “Isto sustenta um negócio milionário de indenizações.”

Pablo Trapero, o talentoso diretor argentino de “Leonera” (2008), em seu sexto longa, escolheu fazer um filme- denúncia sobre a máfia que se interpõem entre as pessoas acidentadas no trânsito e as companhias seguradoras. É essa máfia que lucra com todo o horror.

“Abutres” é um filme duro. Incomoda. Machuca. Vamos descer ao mundo da dor, do desespero e da morte.

E aqui, o homem é o lobo do homem. Ou o abutre, se quiserem. Se bem que o homem é, e sempre será o pior dos animais, ao escolher fazer conscientemente o mal a seus semelhantes.

O diretor Pablo Trapero mostra sua excelência, criando com sua câmera, um clima de intimidade forçada, com enquadramentos em “closes” fechados. Ele entra de esguelha para melhor mostrar/ esconder a cena. Corta corpos, invade, mutila. Não pede licença. E estremecemos na cadeira…

Ricardo Darín, o mais famoso ator argentino – atuou em “O segredo dos seus olhos” que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro no ano passado – é Sosa, um advogado que perdeu sua licença e que agora decai. Seu papel é feio. Cabe a Sosa convencer o acidentado, ou a família do morto, que ele defenderá os direitos deles e conseguirá uma boa recompensa da companhia seguradora.

As vítimas são ignorantes, indefesas, estão fragilizadas e Sosa faz o trabalho sujo. Vai enganá-las e enriquecer o patrão mafioso.

Para conseguir ganhar suas comissões, Sosa tem que procurar clientes. Ronda delegacias, alicia cúmplices em ambulâncias que atendem os acidentes, fica esperando acontecer o pior em cruzamentos perigosos.

Vive de noite para conseguir sobreviver…

Chega até mesmo a causar fraturas e ferimentos graves em um amigo que ele tenta ajudar a ganhar uma indenização.

E Sosa passa, além disso, por maus bocados. Nem sempre o dinheiro arrecadado agrada ao patrão, que manda seus capangas surrá-lo.

Será que o amor pode habitar nessas paragens sombrias?

Martina Gusman (que é mulher do diretor Trapero) faz o anjo caído, Luján. Médica, que trabalha numa policlínica para traumatismos graves, atende seus pacientes no local do acidente e os leva de ambulância para o pequeno hospital, pobre e sujo. Faz o que pode. E tem um segredo que a faz padecer. Ela também é vítima de um inferno.

Sosa e Luján se encontram em um desses acidentes e a atração é imediata e fatal. Ela, cujas olheiras negras não são só de cansaço, parece despertar ao toque do olhar de Sosa. Intenso e comovente, o amor dos dois enche a tela de esperança. São breves momentos de sol e risadas.

Mas não há volta quando as coisas foram longe demais. E os limites se impõem, com a crueldade cega do inevitável.

Pablo Trapero teve o seu filme indicado para representar a Argentina e concorrer ao Oscar do ano que vem como melhor filme estrangeiro.

Mas seu maior prêmio foi conseguir que o sucesso de público e o choque causado por “Abutres” na sociedade argentina, levasse o Congresso a discutir mudanças nas leis que regem os seguros sobre os acidentes de trânsito.

Disse Trapero em São Paulo durante a Mostra:

“É importante que não exista só o mundo do cinema- festivais, críticas, etc – como exista também a possibilidade desses filmes viverem fora desse universo e se tornarem testemunhas de uma época, de uma situação.”
“Abutres” é um filme que passa o seu recado com sucesso.